Seja de manhã ao acordar, após as refeições ou simplesmente para fazer uma pausa durante o dia, o café faz parte da rotina de muitas pessoas. O que os apreciadores de café podem querer conhecer são as consequências de beber a lisboeta bica ou o portuense cimbalino na aparência do sorriso. Será que este hábito tão enraizado nos portugueses é capaz de tornar os dentes mais escuros ou amarelados?

Em declarações ao Viral, Tomás Carvalho, médico dentista e diretor clínico da Clínica Médis de Almada, esclarece o impacto da ingestão de café na coloração dos dentes.

O café pode tornar os dentes mais escuros?

“A resposta é, claramente, sim, o café pode deixar os dentes mais escuros”, responde, de imediato, Tomás Carvalho. 

Segundo a explicação do médico dentista, tal como acontece com outras bebidas (nomeadamente o vinho tinto e o chá), o café contém taninos, um polifenol que se encontra naturalmente em plantas, sementes, cascas, madeira, folhas e cascas de fruta, e que, “quando se deposita na cavidade oral, causa pigmentação da superfície do esmalte dentário”.

Outra razão pela qual o consumo de café leva ao escurecimento dos dentes “é a própria acidez do café, cujo PH varia entre 4.5 e 5.5, pois sabemos que as bebidas mais ácidas são também as que contribuem mais para a pigmentação dos dentes, porque acabam por desmineralizar a superfície do esmalte, enfraquecendo-o”, refere Tomás Carvalho.

O especialista identifica ainda outro motivo por trás da coloração dos dentes, mas que já não está relacionado com as características e a composição do café em si, mas sim com outro hábito muito comum, isto é, juntar açúcar à bebida para a tornar mais doce.

E quem diz ao café diz também ao chá, já que adoçar qualquer bebida com açúcar “acaba por também agravar o problema da pigmentação e desmineralização do esmalte”.

Isto porque “o açúcar é um agente careogénico e é dos principais causadores da desmineralização do esmalte, pois interfere com as bactérias que existem na flora oral”.

Algumas bactérias que existem na boca têm uma função benigna para a saúde oral, mas quando o equilíbrio do microbioma da cavidade oral é comprometido pela ingestão de açúcar “este acaba por produzir mais ácidos em resultado desta interação e ao tornar o PH da boca mais ácido vai danificar o esmalte [do dente]”, adianta o médico dentista.

Aliás, a Organização Mundial de Saúde reconhece o papel do consumo de açúcar no desenvolvimento daquela que é a doença não comunicável mais prevalente a nível mundial: a cárie dentária.

Segundo a OMS, “a cárie dentária desenvolve-se quando as bactérias da boca metabolizam os açúcares para produzir o ácido que desmineraliza os tecidos duros dos dentes (esmalte e dentina)”.

Quantos cafés podemos beber sem danificar os dentes?

Quem pensa que a quantidade de café ingerida está diretamente relacionada com o maior ou menor efeito da bebida nos dentes não está totalmente correto.

Tomás Carvalho reconhece ser óbvio que “quanto mais cafés – e, por inerência, taninos – consumimos, mais sujeitamos a cavidade oral à presença dessas substâncias”.

No entanto, acrescenta o especialista, “acaba por não ser tanto a quantidade em si de café ingerido [que influencia a cor do esmalte dentário], mas sim os hábitos de higiene dentária que temos após a ingestão da bebida”.

Ou seja, mais relevante do que procurar o número mágico de cafés que é seguro beber sem consequências para a coloração dos dentes, “o importante é adotar hábitos de higiene oral que podem contrariar a pigmentação que o café pode causar, mesmo em pequenas quantidades”.

Como minimizar os efeitos do consumo de café nos dentes?

Tomás Carvalho deixa alguns truques e dicas – uns mais fáceis de seguir que outros – para minimizar os efeitos do café na coloração dos dentes.

Em primeiro lugar, pode optar por “cafés mais curtos e que bebemos mais rapidamente”.

“O típico café americano, que tem mais quantidade e demora mais tempo a beber, é de evitar, porque, quanto mais tempo demoramos a beber o café, mais tempo vai levar até que façamos a higienização da boca, o que permite a acumulação do café e dos taninos na boca”, sustenta.

Outra dica é fazer bochechos com água após beber café. Esta prática “funciona quase como um teste do algodão”, refere Tomás Carvalho.

Se uma pessoa fizer bochechos com água logo após beber café, nas primeiras vezes em que manda a água fora, esta vem escura, pigmentada, “o que é um bom indicador de que, se não estivesse a bochechar e a remover aquela pigmentação, ela permaneceria na cavidade oral e ia acabar por se depositar nos dentes”.

Daí que o conselho passe por fazer bochechos com água até esta vir minimamente transparente para minimizar a quantidade de café que fica na cavidade oral.

Sempre que possível, o ideal é mesmo escovar os dentes. O recomendado pela American Dental Association é escovar os dentes 30 minutos após a refeição ou a ingestão de alimentos ou bebidas, durante dois minutos com uma escova de cerdas macias

Tomás Carvalho explica que devemos aguardar meia hora após as refeições, porque “não é aconselhável fazer a escovagem logo após a ingestão de qualquer alimento ou bebida, uma vez que, normalmente, temos um PH neutro na cavidade oral e, mesmo ingerindo alimentos mais ácidos, a saliva tem a capacidade de voltar a neutralizar a acidez da boca”.

“Quando ingerimos algo mais ácido, estamos a tornar o ambiente da boca mais ácido e, se formos escovar os dentes logo a seguir, vamos provocar ainda mais acidez sobre os dentes e sobre o esmalte”, continua.

Manter as visitas regulares ao médico dentista é outro conselho do profissional. Tal como indica a Ordem dos Médicos Dentistas, o check-up à saúde oral deve ser realizado duas vezes por ano, o que ajuda a manter a saúde da boca e também permite atuar de forma precoce na coloração dos dentes. 

“Se as visitas ao dentista forem de seis em seis meses, conseguimos atuar nas higienizações orais, com o jato de bicarbonato e o destartarizador, não deixando acumular tanto pigmento nos dentes. Acabam por ser processos menos invasivos”, admite o médico dentista.

Em casos em que a pigmentação já é bastante visível, os branqueamentos “são um tratamento eficaz”, acrescenta.

Outra dica, mais difícil de cumprir, “é beber o café por uma palhinha”. 

“Ninguém o faz, nem mesmo eu que sou médico dentista, mas é verdade que a utilização da palhinha iria expor menos a cavidade oral aos componentes do café”, conclui.